APRÍGIO E A APOSENTADORIA

                            Cinco horas da manhã, rotina de quase todos os dias da semana, Aprígio se levanta da cama, espreguiça, olha para Arlinda, a esposa que ainda dorme, vai em direção a cozinha fazer um café, uma, duas ou três torradas, naquela torradeira que parece ter saído de um desenho animado de tão longe que joga a torrada, quase sempre queimada; quando tem vontade, até come uma fruta enquanto o café e as torradas estão sendo feitos; uma maçã, pera, mamão, isso raramente. Um banho para terminar de acordar, pensando no dia que aposentar; poder dormir até dez, onze horas da manhã, quem sabe até dizer um boa tarde quando acordar, sair só se bater uma vontade muito grande de andar. Ficar à toa é chato, mas, andar na rua à toa é muito bom! pensava com as espumas que desciam pelo seu corpo, lavar o carrinho que usava nos fins de semana quando tinha folga, era um tal de seminário de atualização sempre nos fins de semana, confraternização com algum chefe que estava se despedindo, transferido para outra cidade, tudo no fim de semana, não podia perder nem um dia de serviço, mas, perder um fim de semana de descanso com a família, isso podia! tudo pela manutenção do emprego. Ainda bem que faltava pouco tempo para se aposentar; acordar quando acordasse, levantar quando quisesse, usar chinelo ou sandália o dia inteiro, não almoçar mais aquela comida fria, sem gosto, servida no bandejão em frente ao banco, poder fumar um cigarro na varanda de casa com calma, afinal, fumava um por dia, depois do almoço e, tinha que ser depressa para não extrapolar o horário, ficar livre da gravata, do sapato social com cadarço, sola dura que no final do dia parecia até ter entrado dentro de seu pé. Se lembrou dos aposentados que ficavam na praça jogando damas, xadrez, cartas, ele não queria nada disso; tinha casa, esposa, um filho uma filha que já era mãe, um neto, queria era ficar em casa aproveitando tudo que não pudera aproveitar nesses anos todos de trabalho, sala com sofá, poltrona com banco para descansar os pés, agua gelada sempre que a sede apertasse, um cafezinho no meio da tarde, nada como a casa da gente! assim, meio perdido em seus sonhos, se vestiu rápido, não podia perder o ônibus das sete horas, partiu para mais um dia a menos no caminho da aposentadoria; ansiada aposentadoria.

                            Enfim férias! calculou o tempo direitinho; férias, voltava, trabalhava mais dois dias e... aposentadoria! ia deixar muito colega com inveja; trinta e dois dias para Aprígio desfrutar do sofá, da poltrona, acordar quando quisesse, desfrutar da varanda de casa depois do almoço com a esposa Arlinda, se bem que já não fazia questão de almoço, um ovo frito com arroz, uma fatia de carne no pão, estava ótimo! nada de trabalho para ele nem para Arlinda; o objetivo era aproveitar o ócio.

                               Aprígio em casa, Arlinda pedia para comprar umas batatas, outro dia carne, de repente ele era o comprador oficial da casa; dele e da filha. Pagar contas, tinha aposentado no banco, sabia como mexer com essas modernidades, paga, compra, busca, entrega, passa um aspirador de pó na casa, lava uma louça, se for na garagem limpar o carro, logo escuta a recomendação de não fazer bagunça com água, molhar a entrada da casa, ou, a filha aparece com o neto para ele dar uma olhadinha enquanto ela e a mãe vão ali, comprar uma blusinha, que leva a tarde toda para ser comprada, é onde Aprígio se lembra do amigo que sempre dizia criança ser muito bom na casa dela, na nossa não!

                            Noite, Aprígio deitado entende então os aposentados na praça, jogando Damas, Xadrez, Skôpa, a decisão de não aproveitar os dias no sofá, na varanda, na poltrona com banquinho para os pés, enfim é tomada. Aprígio, passa a ser mais um na praça!




Luiz Carlos Fortes Braga

                             

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